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terça-feira, 2 de agosto de 2011

Médico de família





São Paulo, segunda-feira, 01 de agosto de 2011
FOLHA DE SÃO PAULO

BICHOS
SÍLVIA CORRÊA - 

Médico de família



Trazidos para dentro de casa e criados como filhos, cães e gatos têm cada vez mais influência em nossa saúde


Simone e Homero queriam engravidar. Tentaram por três anos. Nada. Exaustos e frustrados, decidiram adotar um cachorro. A escolhida foi Nina, uma pequena maltês branca de dois meses.
A chegada de Nina trouxe ao casal alegria e descontração. Relaxados e sem cobranças -advinhe?!-, eles engravidaram um mês depois.
Fazer planos para receber Gabriel se transformou, então, no principal programa familiar de Simone, Homero e, agora, Nina. Ela dormia sobre a barriga da "mãe" e participava das conversas com bebê. Como manda o figurino, foi vermifugada, vacinada e, chegada a hora, encaminhada à castração.
Não há dúvida: castração é medida de saúde pública. Do ponto de vista individual, reduz a 0,05% a chance de câncer de mama, se for realizada antes do primeiro cio. Do ponto de vista coletivo, é a principal arma contra o abandono e as zoonoses.
A veterinária sabia disso e insistiu com Simone. Ela titubeou. Voltou à clínica uma, duas, três vezes para tirar dúvidas. Disse que tinha medo. Mas a veterinária argumentou que os benefícios eram relevantes. Grávida de oito meses, Simone concordou.
Dia marcado, lá estava Nina. Simone voltaria para buscá-la no final do dia, mas, bem antes da hora marcada, o telefone tocou: Nina havia morrido na anestesia. Foi como se o chão se abrisse debaixo dos pés de Simone.
Sei que os inimigos da castração podem se agarrar a esse caso para tentar combatê-la. Não faz sentido.
Procedimentos anestésicos têm risco em qualquer espécie, inclusive a humana. E isso precisa ser claramente dito ao dono do animal. Segundo os estudos sobre o tema, o que ocorreu com Nina se repete em 0,89% dos cães anestesiados -índice que nunca chegará a zero porque o organismo terá sempre reações inesperadas.
Para Simone, as estatísticas não dizem mais nada. No caso dela, a perda foi de 100%. Mas não se pode deixar que a dor, que embota os olhos, também embaralhe os conceitos. Não castrar um animal por conta do risco equivale a deixar de levá-lo para passear porque o sol pode causar câncer de pele. Sim, é verdade. Mas a chance de ele ficar obeso se não sair de casa é, sem dúvida, muito maior.
Pelo laudo da necropsia, não há indício de falha técnica na conduta da veterinária. Talvez o problema resida exatamente neste ponto: ela foi exclusivamente técnica. Se tivesse levantado os olhos do prontuário de Nina, ela teria notado Simone: uma mulher grávida, sensível, temerosa e às vésperas de realizar um sonho. E, se tivesse enxergado Simone, talvez compreendesse que a castração poderia esperar alguns dias. Tudo é questão de decidir que medicina se quer fazer.
Nos próximos meses, o Ministério da Saúde vai autorizar que veterinários integrem as equipes de saúde da família. Será o reconhecimento oficial de que cães e gatos, trazidos para dentro de casa e criados como filhos, têm influência cada vez maior sobre nossa saúde física e mental.
Para os veterinários, é um desafio: estudam por cinco anos para tratar de bicho e descobrem, na prática, que cuidam também de gente.


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