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quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Vulnerabilidade genética

Thais de Luna

Correio Braziliense. Brasília-DF,  20 de outubro de 2011. Saúde, pág. 27

Cientistas de Cingapura e do Vietnã revelam como alterações em dois genes tornam algumas pessoas mais suscetíveis à síndrome do choque da dengue, a forma mais grave da doença.
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Basta haver chuva e um recipiente a céu aberto e está pronto o lugar ideal para que o Aedes aegypti deposite seus ovos na água parada. A presença do mosquito é um perigo para a população, que corre o risco de ter dengue, já que o Aedes aegypti é o transmissor do vírus. A doença infecciosa, comum nesta época — já atingiu 715,6 mil brasileiros só em 2011 —, pode ocorrer de forma mais leve, com sintomas semelhantes aos da gripe, ou mais grave, na forma hemorrágica. Um estudo publicado esta semana na revista especializada Nature Genetics, feito por pesquisadores de Cingapura e do Vietnã, revela que uma mutação nos genes MICB e PLCE1 torna as pessoas mais vulneráveis a desenvolver a síndrome do choque da dengue, que é a forma mais grave da dengue hemorrágica.

A síndrome, segundo o epidemiologista Pedro Tauil, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília (UnB), é caracterizada pela diminuição da pressão arterial; pela redução do volume do sangue — o que dificulta seu fornecimento pelo coração para todo o corpo —; pela perda de líquido e aumento da permeabilidade dos vasos sanguíneos; e, principalmente, por hemorragias. É um quadro gravíssimo, que pode levar o paciente à morte.

Um dos autores da pesquisa, Khor Chiea Chuen, médico e cientista do Instituto Genoma de Cingapura, explicou ao Correio que o gene MICB em seu estado normal age a partir das células exterminadoras naturais, para controlar a resposta do organismo à infecção causada pelo vírus. Se esse gene sofre alterações, pode afetar a ação de células do sistema imunológico. “Já o PLCE1 está ligado ao desenvolvimento e à multiplicação celular. Quando sofre mutação e o crescimento das células é afetado, o PLCE1 facilita a ocorrência da síndrome, devido à hemorragia que ocorre nos vasos sanguíneos (veja infografia)”, conta.

O cientista de Cingapura afirma que foi surpreendente observar a ligação entre a síndrome do choque da dengue e as células exterminadoras naturais, um fator sobre o qual havia pouco conhecimento. “Acreditávamos que os culpados pela suscetibilidade à doença seriam outros componentes do sistema imunológico, como os linfócitos T ou os linfócitos B”, admite. Ele acrescenta que essa descoberta é um passo significativo para ajudar a compreender por que algumas pessoas ficam mais vulneráveis a desenvolver a forma mais grave da dengue e outras, não. “De acordo com nossos dados, parece que é uma progressão em duas etapas para a doença”, relata. Segundo essa avaliação, a pessoa teria problemas em controlar o vírus devido à mutação no MICB, desenvolvendo a dengue. Como ela também estaria propensa a ter hemorragias, pela alteração no PLCE1, o problema de saúde se agravaria até tornar-se a síndrome do choque da dengue.

Busca incessante

Tauil vê o estudo como importante, mas ressalva que ele precisa ser validado por outras pesquisas na área. “A medicina não teria praticamente nada a fazer para modificar este suposto fator de risco genético”, lamenta. A infectologista do Grupo Acreditar Maria Aparecida Teixeira, por sua vez, acredita que pesquisas na área de infectologia “podem antecipar o comportamento de doenças em determinadas pessoas”, o que auxilia médicos e cientistas a desenvolverem medidas de prevenção ou mesmo curas por meio da terapia genética. “A terapia genética é uma promessa impactante em diversas áreas da medicina e da biologia, mas ainda inacessível para a maioria da população”, pondera.

“Driblar todas as agressões infecciosas é impossível e também indesejável, já que nosso repertório de resposta imunitária é montado a partir dos agentes que provocam as doenças. Caso contrário, seríamos indefesos e teríamos curta vida na terra”, avalia a infectologista. “Alguns indivíduos, no entanto, não podem ‘se dar ao luxo’ de entrar num embate com um vírus, por exemplo, devido a algumas características genéticas, herdadas ou não seus pais. Essas características podem significar resposta imunitária exagerada ou insuficiente, levando a quadros igualmente desfavoráveis”, conta a médica.

Vacina

O epidemiologista da UnB destaca o avanço nas pesquisas de uma vacina, até o momento considerada segura, contra os quatro tipos de dengue. “Essa pode ser uma grande arma para reduzir a incidência da doença, pois a luta contra o mosquito, até o momento o único elo vulnerável da cadeia de transmissão, é muito difícil e pouco eficaz”, completa. Maria Aparecida discorda da ineficácia do combate ao vetor da doença. “Mesmo levando em conta toda a importância dos avanços científicos acerca da dengue, nossa longa convivência com o vírus — 30 anos — já nos permite interferir no processo de transmissão com mais sabedoria e bom senso”, ressalta a infectologista. Segundo ela, deve-se combater primeiro o mosquito o Aedes aegypti, e não o vírus.

Chuen destaca que pretende usar as informações obtidas nesse estudo, em especial sobre o gene MICB, para elaborar um projeto de vacina contra a dengue. “No mínimo, vamos nos esforçar para compreender qual é, exatamente, o efeito dessas variações genéticas sobre como o corpo humano controla e mata o vírus da dengue no processo de infecção.”

 Sintomas

Veja os principais sinais da síndrome do choque da dengue.
» Queda da pressão arterial.

» Queda acentuada do número de plaquetas no sangue (identificada em exames).

» Sangramentos espontâneos, como da gengiva, ou provocados, identificados no teste chamado prova do laço. Esse teste, no qual se observa o surgimento de pontos de sangramento na pele do braço, é feito com o aparelho de medir a pressão arterial.

» Aumento da viscosidade do sangue, que perde plasma (medido em exames).

» Pulsação rápida.

» Pele pegajosa e fria.

» Redução do nível de consciência, que pode indicar choque circulatório — quando o coração e os vasos sanguíneos não conseguem irrigar todos os tecidos do corpo.

Fonte: Maria Aparecida Teixeira, infectologista do Grupo Acreditar

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