Total de visualizações de página

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Mortes de animais com leishmaniose deixam moradores do Lago Sul em alerta

 Após a morte de animais no bairro, a comunidade se mobiliza para evitar novas contaminações. Até setembro, 296 casos da doença foram registrados no Distrito Federal


Correio Braziliesne-DF, 26 de novembro de 2011, Cidades, p. 40.

Ariadne Sakkis

Natália acompanhou o sofrimento de sua labradora, que definhou em apenas dois meses e foi sacrificada (Adauto Cruz/CB/D.A Press)
Natália acompanhou o sofrimento de sua labradora, que definhou em apenas dois meses e foi sacrificada


Diversas pessoas perderam animais de estimação por causa da leishmaniose na QI 25 do Lago Sul nas últimas semanas. Apenas no Conjunto 7, em menos de dois meses, três cães foram sacrificados. A comunidade cobra do poder público mais informações e ações preventivas, a exemplo das campanhas de combate à dengue. A leishmaniose já contaminou 296 animais entre janeiro e setembro deste ano. O último boletim epidemiológico divulgado pelo Núcleo de Controle de Endemias, Doenças Transmissíveis e Emergentes contabilizou 28 casos confirmados da doença em humanos no DF. Desse total, apenas três pessoas contraíram a doença na capital.

A médica Graça Martins, 64 anos, teve de sacrificar os dois cães da família em apenas um mês. O último foi encaminhado para eutanásia há 15 dias. Na clínica veterinária, ela descobriu a ocorrência de três outros casos. Preocupada, ela procurou a Diretoria de Vigilância Ambiental (Dival) para notificar o incidente e pedir ajuda. No Centro de Controle de Zoonoses de Brasília, a médica descobriu que o seu era o primeiro caso registrado na região. “Isso não é verdade. Apesar de a notificação ser compulsória, na prática, poucos avisam. A pior consequência dessa conduta é o risco para as pessoas. A leishmaniose é uma doença terrível, mas muita gente não sabe que o homem também pode se contaminar”, alerta.

Para conscientizar os vizinhos, ela distribuiu panfletos pedindo que os donos de cães avisassem as autoridades em caso de diagnóstico positivo para a enfermidade. Graça pediu também que a Dival faça o mapeamento da área para conhecer a real situação da QI 25. Até o momento, no entanto, a pesquisa ainda não foi iniciada. O veterinário da Dival Laurício Monteiro afirmou que a diretoria tem intensa atuação nas regiões onde a doença é considerada endêmica e que o Lago Sul faz parte da rotina de visitas de orientação. A QI 28 foi a primeira a ter registros de leishmaniose na cidade este ano.

Em agosto, a funcionária pública Natália Soares Carreiro, 46 anos, levou os dois cachorros para vacinar e o veterinário notou nódulos próximos aos olhos da labradora Mel, o que despertou a suspeita de leishmaniose. Em dois meses, veio a confirmação. A cadela definhou: perdeu peso e pelos, as unhas cresceram rapidamente, ficou com feridas abertas e os olhos enegreceram. “Quando chegou o resultado, não foi difícil sacrificá-la, já que ela estava passando por tamanho sofrimento”, lembra.

Ao comentar com outras pessoas sobre o caso, Natália constatou que muitos vizinhos haviam perdido animais por causa da doença. Ouviu também donos de cães com diagnóstico positivo afirmarem que não os sacrificariam. “É um absurdo. As pessoas precisam estar conscientes de que manter um cachorro neste estado representa um risco não só a outros animais, mas, principalmente, aos seres humanos”, lamenta a funcionária pública. Depois da morte de Mel, ela não pretende comprar outro cachorro. Agora, só há espaço para o gato, Beto.

Somente depois da experiência, Natália descobriu que o ideal é que o canil seja mantido em local ensolarado, seco e que folhas e frutas sejam recolhidas do jardim. A Dival realizou, em 2008 e em 2009, uma pesquisa por amostragem no Lago Norte e constatou que a média é de 1,14 mosquito por casa. A veterinária Maria do Socorro Laurentino de Carvalho, especialista no vetor da leishmaniose, explica que a época de chuvas e de temperaturas altas aumenta a infestação do inseto, portanto, o cuidado deve ser reforçado.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Moradores de Foz do Iguaçu se unem para combater a dengue

Jornal Nacional - Rede Globo de Televisão. Edição do dia 28/11/2011

População local vai aplicar inseticida nas próprias casas. Objetivo é matar a fêmea do mosquito e dimunuir a proliferação da doença.

Moradores de Foz do Iguaçu, no Paraná, participam de uma campanha inédita na noite desta segunda-feira (28).

Esta campanha de combate a dengue é diferente porque, além da orientação básica de não deixar água parada, foram distribuídos 8 mil frascos de inseticida. Até sexta-feira (2), a população deve aplicar a inseticida em casa. A recomendação é de que sejam jatos curtos, principalmente em locais escuros, como embaixo de armários e mesas.
“A ideia dessa campanha é criar uma consciência coletiva e mobilizar toda a sociedade de Foz do Iguaçu para matar a fêmea do mosquito, porque ela é que faz a multiplicação. Matando a fêmea, termos uma diminuição na população de mosquitos, e automaticamente a gente vai conseguir fazer com que haja menos transmissão de dengue em Foz do Iguaçu”, explica André de Souza Leandro, coordenador da campanha.
 

Aplicativo contra a dengue

Correio Braziliense-DF, 28 de novembro de 2011, Tecnologia, p. 14.
 
Daniel recebe prêmio da agência da ONU: reconhecimento pela inovação (Arquivo Pessoal)
Daniel recebe prêmio da agência da ONU: reconhecimento pela inovação

Foi com o objetivo de levar informação de qualidade à população que um jovem empreendedor de Goiânia criou um aplicativo para televisão digital, ensinando a combater a dengue, doença que costuma atacar no verão, com o aumento do calor. Daniel Alves, 28 anos, engenheiro da computação, ganhou um prêmio da União Internacional de Telecomunicações (ITU-T), agência das Nações Unidas que, em julho, lançou um desafio mundial. Os desenvolvedores precisavam criar aplicativos para a televisão digital, em qualquer área que quisessem. “Escolhi fazer um aplicativo sobre dengue, porque esse é um dos casos epidemiológicos mais graves no Brasil, e a falta de conhecimento aumenta a cada ano o número de infecções”, diz.

Ele desenvolveu o produto para a empresa IPTV, incubada na Universidade Federal de Goiás. “Criei o Dengue Combat com o objetivo de permitir a interatividade na TV digital”, diz Alves, lembrando que, no Brasil, a televisão está presente em quase todos os lares. Aplicativos para essa plataforma também podem ser acessados em celulares que têm sinal para a tevê digital que, em 2016, substituirá completamente a analógica.

A ideia do aplicativo é que, apenas com o controle remoto, o usuário tenha acesso a informações como prevenção, combate e até mesmo os postos de saúde mais próximos. Por enquanto, nenhuma emissora comprou o produto, premiado no fim de outubro, mas Daniel acredita que emissoras públicas, que têm caráter educativo, seriam os melhores veículos para divulgar o aplicativo. “Pelo compromisso social, acredito que seria fantástico se houvesse interesse”, diz.

Para Daniel, a televisão interativa oferece inúmeras oportunidades na área de prestação de serviço. Como exemplo, ele cita o governo eletrônico. “Pela tevê, a pessoa poderia, por exemplo, marcar a consulta no hospital público. As possibilidades são bem amplas”, diz o engenheiro. (PO

Dengue 4 ronda o DF

Correio Braziliense-DF, 28 de novembro de 2011, Visão do Correio, p. 10.
 
A época da chuva constitui fator de preocupação no Distrito Federal. O Aedes aegypti responde pelo desassossego. Transmissor da dengue, o mosquito encontra terreno fértil na capital. De novembro a dezembro de 2010, a Secretaria de Saúde registrou 12.421 casos. Nos 11 primeiros meses de 2011, 1.457. Este ano, notícia da chegada do sorotipo 4 do transmissor aos arredores do DF traz apreensão adicional. Não se pergunta se ele atravessará o limite de Goiás. Pergunta-se quando o fará.

Duas pessoas notificaram a contaminação pelo vírus. Uma em Aparecida de Goiânia e outra em Goiânia. O hospedeiro circula há quase 30 anos no território nacional. Em 1982 apareceu pela primeira vez em Boa Vista, capital de Rondônia. Em 2010, voltou ao mesmo local. A livre circulação de pessoas e cargas facilitou a disseminação do inseto. Mas só agora ele ronda perigosamente nossas cidades.

Áreas nobres ou menos privilegiadas contribuem igualmente para o aumento do risco. Basta oferecer condições capazes de transformar residências em criadouros. Hábitos inocentes tornam-se arma apontada contra a população. Água acumulada em vasos de flores, reservatórios destampados de prédios, canaletas de escoamento de água, piscinas descobertas, cascatas e laguinhos decorativos — tudo pode se transformar em ambiente acolhedor para o Aedes aegypti.

Não só. O lixo moderno faz gol contra a população. Garrafas, tampas, pneus, brinquedos, lixeiras, embalagens, sacos plásticos, casca de ovo, cacos de vidro, restos de móveis, copos, colheres e pratos descartáveis abrigam água e podem, se não forem recolhidos em tempo hábil, tornar-se foco do inseto que não poupa ricos ou pobres, adultos ou crianças, poderosos ou desvalidos.

Talvez em nenhuma outra situação a solidariedade seja tão necessária. Ninguém pode impedir a chegada do Aedes aegypti ao Distrito Federal. Mas todos podem — e devem — evitar que o inseto encontre ambiente propício para se reproduzir. Impõe-se orientar a população e fiscalizar possíveis focos do inseto transmissor.

Campanhas educativas que atinjam todos os públicos precisam ser intensificadas. A visita dos agentes de Vigilância Ambiental tem de abranger o maior número possível de residências. A mobilização de igrejas, escolas, clubes de serviços, redes de relacionamentos, meios de comunicação de massa constitui passo importante que não pode esperar. O mosquito voa.

Cientistas conseguem barrar contaminação do parasita da malária no sangue

Correio Braziliense-DF, 10 de novembro de 2011, Saúde, p. 29 

Há pelo menos 50 mil anos, a humanidade é ameaçada pelo parasita causador da malária. Fósseis e múmias estudados por cientistas mostram que o plasmódio tem sido implacável ao longo dos séculos e, diferentemente de doenças que há muito foram vencidas, até hoje não se sabe como eliminá-la. Estima-se que 1 milhão de pessoas morram anualmente em consequência da doença — a maioria, crianças da África subsaariana —, mas um anúncio feito hoje na revista Nature traz a esperança da erradicação total da malária, graças a uma descoberta de pesquisadores do Wellcome Trust Sanger Institute, na Inglaterra.

Pela primeira vez em cinco décadas de busca por uma vacina eficaz, os cientistas conseguiram identificar o mecanismo exato que faz com que o parasita entre na corrente sanguínea. É no momento em que sai do fígado e invade as células vermelhas que o plasmódio provoca os sintomas da doença, como febre alta, náuseas e hemorragias. Interromper essa etapa do ciclo de transmissão significa que, mesmo picada pelo mosquito transmissor, o Anopheles, a pessoa não ficará doente — ainda que passe a ser portadora do parasita. “Estamos extremamente empolgados. Acredito que esse é um avanço revolucionário”, disse um dos pesquisadores, Julian C. Reyner, durante uma teleconferência de imprensa.

Reyner explicou que, embora existam vacinas contra a malária, nenhuma conseguiu completo sucesso até agora. “Os cientistas já sabem que o problema está no processo de interação entre o plasmódio e as proteínas das células de defesa, mas esse é um mecanismo muito complexo, que as tecnologias, até agora, não conseguiram afetar. O que fizemos foi usar uma nova técnica, chamada Avexis, que identificou a chave por trás do processo”, disse.

O Avexis, que consiste em um método de escaneamento intracelular, foi criado pela equipe do cientista Gavin Wright. “Essa interação que ocorre entre o plasmódio e a superfície da célula é muito frágil e, por isso, difícil de detectar em laboratório”, disse. Ele compara a ligação entre o parasita e os glóbulos vermelhos (veja infografia) a um pedaço de velcro. “Se você olhar atentamente para o velcro da sua mochila, vai ver que são vários ‘pelinhos’ que ligam um lado ao outro, de maneira extremamente forte. A nossa tecnologia conseguiu justamente identificar como esses ‘pelinhos’ agarram-se uns aos outros. Acho que, finalmente, conseguimos encontrar o ‘calcanhar de aquiles’ da malária. É reconfortante imaginar que nossa técnica poderá resolver importantes problemas biológicos e ser a base para novas terapias.”

Velcro
Quando uma pessoa é picada pelo mosquito transmissor da malária, o parasita migra para o fígado, onde se reproduz de forma assexuada. Ele fica dentro do órgão durante alguns dias e, depois, passa para os glóbulos vermelhos, que estouram, fazendo com que o plasmódio se espalhe por todo o organismo. Os cientistas do Wellcome Trust Sanger Institute descobriram como o parasita se encaixa na superfície das células sanguíneas. Isso ocorre porque uma proteína chamada PfRh5, existente no plasmódio, parece ter sido feita sob medida para se ligar a uma determinada enzima dos glóbulos vermelhos. Como um ímã, elas se atraem, fazendo a junção necessária para que a malária tome conta do organismo.

Descobrir esse mecanismo já teria sido um grande avanço, mas a equipe de Reyner e Wright foi além. “Conseguimos fazer uma coisa muito difícil, que foi isolar a proteína do plasmódio e fazer uma cultura in vitro. Então, no laboratório, injetamos anticorpos nos glóbulos vermelhos e alcançamos o que desejávamos: a interação entre o parasita e a célula foi completamente interrompida”, contou Wright. “A grande esperança, agora, é a fabricação de uma vacina para ser usada em humanos.”

Segundo Julian C. Reyner, dois pontos principais podem ser destacados na experiência. Em primeiro lugar, o fato de os cientistas terem conseguido bloquear a interação entre o plasmódio e as células. Em segundo, depois de testar mais de 15 tipos de cepas do parasita Plasmodium falciparum, o mais perigoso de todos, eles descobriram que os anticorpos conseguem combatê-los igualmente. “Essa vacina, quando pronta, será universal”, afirmou.

Em um comunicado, o Wellcome Trust afirmou que a vacina contra a malária será o modo mais simples e econômico de proteger a população contra a doença. “Para uma abordagem como essa poder trabalhar em escala populacional, contudo, a vacina precisa ser extremamente eficiente. Essa pesquisa identificou um candidato em potencial para isso.” O professor Adrian Hill, pesquisador sênior do instituto, também está bastante entusiasmado. “Ultimamente, temos visto resultados positivos nas pesquisas que testam vacinas contra a malária na África, mas nenhuma delas consegue, de fato, erradicar a doença. A descoberta de um simples receptor que pode ser atingido de forma a evitar a infecção das células vermelhas oferece a esperança de uma solução muito mais efetiva”, comentou

Chegada de mais um tipo de Aedes aegypti põe Distrito Federal em alerta

Correio Braziliense-DF, 25 de novembro de 2011,Cidades,  p. 29. 
Prevenção e orientação: agentes da Vigilância Ambiental estiveram na Estrutural na última segunda-feira (Carlos Moura/CB/D.A Press)
Prevenção e orientação: agentes da Vigilância Ambiental estiveram na Estrutural na última segunda-feira
Os moradores do Distrito Federal estão ameaçados por mais um tipo de mosquito da dengue. O sorotipo 4 do Aedes aegypti foi encontrado em Goiás, e o coordenador-geral do Programa de Prevenção e Controle da Dengue da Secretaria de Saúde do DF, Ailton Domício, admitiu que é uma questão de tempo até o inseto chegar à capital do país. Até agora, duas pessoas foram diagnosticadas com o vírus, uma em Aparecida de Goiânia e outra em Goiânia. Domício explicou que o hospedeiro circulou no país em 1982, em Boa Vista (RR), e apareceu outra vez, em 2010, na mesma cidade. “Com a capacidade de circulação de pessoas e de cargas, o quarto vírus se espalhou. Isso nos coloca em estado de alerta.”

Segundo ele, o novo tipo não tem maior ou menor intensidade do que os demais, assim como as manifestações clínicas se revelam semelhantes. No entanto, a probabilidade de mais casos serem registrados é maior, pois o sorotipo nunca circulou na capital do país.

Os brasilienses devem redobrar os cuidados com a chegada das chuvas (leia arte). Para evitar o aumento na quantidade de vítimas — de janeiro a novembro do ano passado, houve 12.421 —, a Secretaria de Saúde iniciou no último sábado a terceira semana de prevenção. O órgão mobilizou os 737 agentes de Vigilância Ambiental para orientar os moradores de Samambaia, de São Sebastião, do Paranoá, do Itapoã, da Estrutural, de Ceilândia e do Plano Piloto a combater os focos do Aedes aegypti e explicar os sintomas da enfermidade.

Domício, também coordenador do programa de prevenção brasiliense, explicou que, nos 11 primeiros meses de 2011, foram confirmados 1.457 casos no DF. Desse total, 889 foram contraídos internamente e outros 568 acabaram importados. “Estamos em uma situação melhor do que no ano passado, mas a nossa meta é atingir padrões encontrados em 2009, quando apenas 426 pacientes foram diagnosticados com o vírus da dengue de janeiro a novembro”, detalhou.

Os moradores da Estrutural começaram a ser orientados pelos agentes de Vigilância Ambiental na última segunda-feira. A dona de casa Aleciane da Silva, 27 anos, recebeu a equipe da Secretaria da Saúde, que encontrou alguns possíveis pontos de foco do mosquito. Ela foi incentivada a retirar de casa pedaços de madeira e de canos, pois podem acumular água. “Tenho o cuidado de deixar viradas latas e garrafas. Tenho medo da dengue e não quero ficar doente. Vou prestar mais atenção dentro de casa”, disse.

Entorno vulnerável

Ana Pompeu


De 19 municípios do Entorno, cinco estão classificados como de alto risco pelo número de casos de dengue notificados em 2011. Luziânia lidera o ranking na região. É a segunda cidade de Goiás com a maior incidência da doença (1.941 casos a cada 100 mil habitantes), com 8,7% do total de vítimas no estado vizinho ao DF. Houve quatro mortes. Santo Antônio do Descoberto e Alexânia tiveram uma cada, segundo boletim divulgado pela Secretaria de Saúde goiana.

De janeiro até 12 de novembro, foram notificadas 24 mortes ligadas à dengue em Goiás, uma a mais do que os dados divulgados até 5 de novembro. A redução no número de casos é de 63,6% em relação ao mesmo período do ano passado. Ainda assim, 84 municípios goianos têm alto risco de epidemia. Em 2010, Goiás enfrentou a pior crise por causa da doença em 10 anos.

Segundo o secretário de Saúde de Luziânia, Felipe Alves Cesário, a alta incidência na cidade em relação às outras pode significar subnotificação. “Como no Entorno todos os municípios são encostados um no outro, é difícil que aqui tenha mais casos que nos outros. Nós notificamos toda suspeita de dengue”, disse. Cesário marcará na próxima semana uma reunião emergencial sobre a chegada de um novo tipo de mosquito Aedes aegypti à região. Segundo ele, a região mais crítica é o Jardim Ingá.

Para a superintendente de Vigilância em Saúde da Secretaria de Saúde de Goiás, Tânia da Silva Vaz, Luziânia pecou por negligenciar as visitas aos domicílios. “O ideal é que pelo menos 60% dos imóveis sejam visitados. Até agosto, o município atingiu o número, mas, a partir de setembro, 35% desse valor deixou de ser visitado”, alertou Tânia


Antonio Temóteo

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Veneno de aranha mais potente que morfina, indica pesquisa realizada em MG

 Pesquisa desenvolvida em MG indica que toxina da espécie armadeira é melhor que o derivado do ópio, mesmo em doses cinco vezes menores, para minimizar a dor. A substância também demonstra manter-se eficaz durante mais tempo

Correio Braziliense. Brasília-DF,  05 de novembro de 2011. Saúde, p. 21.

 (Fotos: Marcos Michelin/Em/D.A Press)


Belo Horizonte —
Uma descoberta importante para minimizar a dor de pacientes com câncer e Aids, por exemplo. Uma forma de equilibrar um coração com arritmia. Uma chance de proteger e recuperar as células atingidas por isquemias cerebral e na retina. Tudo isso são possibilidades surgidas do uso de toxinas das aranhas-armadeiras, animais peçonhentos que não fazem teia e se encontram facilmente em bananeiras e buracos na terra e debaixo de folhas secas ou entulhos de obra. Em estágio avançado, pesquisas feitas em Minas Gerais sobre o tema já foram patenteadas, receberam apoio de instituições renomadas do país e, em aproximadamente cinco ou seis anos, os testes passarão a ser feitos em humanos.

O trabalho para desvendar o veneno da Phoneutria nigriventer começou nos laboratórios da Fundação Ezequiel Dias (Funed), em Belo Horizonte. Aranhas de campo e algumas criadas em cativeiro são induzidas a liberar o veneno, usado especificamente para imobilizar suas presas ou para sua defesa em situações de risco. A cada dois meses, os técnicos anestesiam o aracnídeo com gelo seco e dão choques nas quelíceras das aranhas — articulações localizadas do lado da boca, onde ficam as garras, que servem para apanhar as presas e injetar o veneno —, conseguindo assim extrair 10 microlitros do composto.

Depois disso, a farmacêutica com doutorado em bioquímica Marta do Nascimento Cordeiro, que coordena o estudo, separa cada uma das substâncias até torná-las puras. O processo passa pelo congelamento do veneno para remoção da parte líquida (liofilização), desidratação semelhante àquela usada para preservar alimentos perecíveis. Assim, a parte sólida é examinada pelas máquinas, que fazem a leitura e o registro dos pelo menos 80 componentes do veneno. Para identificar a pureza, retira-se também o sal dessas substâncias.

A pesquisa começou em 1963, mas, à época, não era possível purificar as moléculas na quantidade necessária. Com equipamentos mais modernos, os estudos avançaram. “Nosso objetivo era saber qual componente evidenciava cada sintoma em casos de picada”, explica a pesquisadora. A lista dos efeitos da picada observados em animais e humanos é longa: dor pungente e imediata, que irradia; cãibras dolorosas; tremores musculares; convulsões; paralisia; sudorese; priapismo; perturbações cardíacas; e distúrbio visual.

“Essa é uma aranha errante, que precisa caçar porque não faz teia. Como todo animal peçonhento, a aranha só ataca para se alimentar ou ao se sentir ameaçada, para sua própria defesa. Houve um caso recente de um adulto picado em Campinas, em 2008. Ele foi atingido na nuca, uma área sensível, mas sobreviveu. Crianças e idosos são mais frágeis e, nesses casos, o risco é maior”, explica Marta.

Resultados
A primeira fase é essencial para as análises biológicas feitas pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pelo Instituto de Ensino e Pesquisa da Santa Casa, colaboradores da pesquisa. Os testes em casos de dor mostraram que uma das toxinas da aranha é mais efetiva que a morfina — e em doses cinco vezes menores. Segundo o coordenador da pesquisa de toxicologia, Marcus Vinícius Gomez, os efeitos do veneno da aranha duram 24 horas, enquanto o efeito da morfina desaparece em apenas quatro. Outra vantagem é que as toxinas não desenvolvem tolerância, como a droga.

Os estudos sobre a Phoneutria nigriventer foram feitos paralelamente a um trabalho desenvolvido nos Estados Unidos e na Europa com o caramujo-marinho, e chegaram a conclusões muito parecidas. Desde 2006, as toxinas do caramujo já são usadas em medicamentos contra dor, cujo produto comercial chama-se Prialt, que chegou ao mercado quatro anos depois dos testes em humanos. De acordo com Gomez, as toxinas da aranha são ainda mais potentes que as do caramujo-marinho e, principalmente, apresentam menos efeitos adversos.

“Percebemos que elas pertenciam à mesma estrutura química (proteínas) e a toxina da aranha repetia os efeitos do caramujo. Então, resolvemos testá-la para dor também, e descobrimos que ela ainda é mais potente, mais capaz de reverter a dor, com menos efeitos adversos. Outro detalhe é que as toxinas não causam alergia e, por isso, podem ser testadas em humanos. Não tínhamos ilusões para aplicações terapêuticas, só queríamos saber como elas agiam nos canais de cálcio (canais iônicos encontrados em células excitáveis)”, conta o professor.

Três toxinas da aranha estão em estudo. Uma delas atua contra dores do câncer e de complicações da Aids, cirúrgicas e químicas; contrações abdominais; e contra o sofrimento relacionado à remoção do nervo ciático. As outras duas têm efeitos contra as isquemias cerebral e na retina e contra a arritmia. A dificuldade, segundo o pesquisador, é a obtenção e produção de grandes quantidades do veneno. Por isso, as moléculas estão sendo recombinadas (clonadas). Uma empresa em Campinas já trabalha na formação dessas mesmas cadeias em laboratório. Para o especialista, em quatro ou cinco anos já será possível pedir licença para usar as toxinas contra a dor nos testes em humanos.

Coração
As experiências em ratos e camundongos mostraram que a toxina age recuperando o equilíbrio na batida do coração. Avaliado in vitro, o coração fica isolado numa solução nutridora e sua artéria é amarrada com um pequeno fio. Quando ela é solta, o coração trabalha em desequilíbrio, mas a ingestão da toxina aumenta a liberação de acetilcolina, substância que atua como neurotransmissora e falta quando há arritmia. Até o fim do ano, os testes serão feitos em animais vivos. Nos casos de isquemia, as toxinas protegem as células, o que foi comprovado em testes in vitro e já nos animais vivos.

“Essa é a que tem mais potencialidade, por causa disso. Conseguimos comprovar que a toxina era capaz de proteger a região mais afetada no choque isquêmico até duas horas depois. Levamos para a retina e, nesse caso, o tempo é de 90 minutos. Só que ela consegue recuperar as células que já estavam morrendo. Simulamos uma isquemia cerebral com o hipocampo in vitro, sem oxigênio e glicose e, depois, nos ratos. Precisávamos clonar essas substâncias em grande quantidade, mantendo sua eficiência, e isso já está sendo feito”, diz. Ele comemora: “Já publicamos esse trabalho em revistas especializadas internacionais e os cientistas, em suas análises, chamam de ‘uso fascinante de toxinas com provável aplicação clínica’”. As pesquisas sobre as toxinas que atuam contra a dor estão patenteadas nos Estados Unidos, no Canadá, no Brasil e na Europa. Já as usadas para o controle das isquemias e taquicardia estão patenteadas no Brasil.

Papoula-do-orienteA morfina é uma substância com grande poder analgésico. Ela é originária da planta Papaver somniferum, conhecida popularmente como papoula-do-oriente. Ao se fazerem cortes na cápsula da papoula, quando ainda verde, obtém-se um suco leitoso, o ópio (a palavra ópio, em grego, quer dizer suco). Quando seco, esse suco passa a se chamar pó de ópio. Nele, existem várias substâncias com grande atividade. A mais conhecida é a morfina, palavra que vem do deus da mitologia grega Morfeu, o deus dos sonhos.

Fonte: Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas da Universidade Federal de São Paulo (Cebrid/Unifesp

Entrevista com a bióloga Maria Léa Salgado-Labouriau

Carlos Tavares
 
 
Quando a maioria dos colegas afirmava que o cerrado era uma vegetação secundária decorrente da queima e da destruição de matas feitas pelo homem pré-colombiano, a bióloga Maria Léa Salgado-Labouriau, da Universidade de Brasília (UnB), usava o pólen das plantas cristalizado por milhares de anos para descrever outro tipo de paisagem. Graças à palinologia (estudo dos pólens), ela mostrou que, no lugar onde estão Goiás e Distrito Federal, as savanas já tinham aparência semelhante à atual há cerca de 34 mil anos.

Membro da Academia Brasileira de Ciências, da Academia de Ciências de Nova York e fellow da Fundação Guggenheim, Maria Léa ajudou a montar o primeiro Laboratório de Palinologia e Paleoecologia do Centro-Oeste e é autora de vasta produção científica, incluindo quatro livros fundamentais no ensino da paleoecologia. O primeiro deles — Contribuição à palinologia do cerrado, de 1971 — é apreciado também por médicos alergistas. No campo da aerobiologia, o pólen é uma excelente pista para que o médico acerte o alvo da alergia de seus pacientes.

Maria Léa nasceu em agosto de 1931, no Rio de Janeiro, mas ainda criança passou a viver com a família em Minas Gerais, onde o pai, o engenheiro civil Oscar Salgado, ocupava um cargo de diretor de mina, em Ouro Preto. Primeiro ela queria ser engenheira de minas, mas logo desistiu da ideia. Mudou-se para Belo Horizonte, onde se formou em história natural. Depois, já casada com o botânico Luiz Fernando Gouvêa Labouriau, passou a ensinar na UnB, mas logo veio a ditadura e o casal foi banido do país. Os dois viveram 17 anos na Venezuela com os quatro filhos e só voltaram ao Brasil em 1988. Acompanhe a seguir os principais trechos da entrevista que a bióloga concedeu ao Correio, em sua casa, na Asa Norte.

A senhora estuda o passado por meio de microfósseis de pólen para entender melhor o presente. O que causa mais decepção, o passado ou o presente?
A tendência dos mais velhos é dizer que, no seu tempo, as coisas, a vida eram melhores, mas é mentira. Todas as épocas têm suas vantagens e desvantagens, têm o que há de melhor e o que há de pior. Agora, você precisa ver de que ponto de vista estamos falando. Por exemplo, para a mulher, está muito melhor do que no meu tempo. Naquele tempo, era como um reitor da Escola de Minas de Ouro Preto me disse: “Vá para casa, vá lavar roupa no tanque e cuidar dos filhos”.

Em que contexto ele disse isso?
Eu era a única mulher que, naquela época, menina ainda, queria fazer cursinho preparatório para passar no vestibular de engenharia de minas. Mas não pude, porque no segundo dia de aula o reitor me viu e perguntou o que eu estava fazendo ali. Eu disse que estudava no cursinho, e ele disparou: “O quê? Vá embora para casa, que lugar de mulher é no tanque”. Aí eu saí de lá uma fera e, quando cheguei em casa, contei a meu pai. Ele me acalmou, mas disse que eu não podia mesmo fazer engenharia de minas, porque mulher não podia entrar em minas. Não pode até hoje. Eles dizem que, se uma mulher entrar em uma mina, o ouro desaparece (risos).

E do ponto de vista ecológico, o planeta melhorou?
Pelos estudos que faço, o clima da Terra está oscilando dentro do normal. Com relação ao homem e à natureza, também essa relação está melhorando. Você pode ver que fazendeiros que cortaram a mata até a beira do rio estão sendo obrigados a plantar de novo. Quero dizer que está havendo uma conscientização maior da sociedade. Uma coisa é você ter os professores na universidade, o mundo da academia, mas quem faz as mudanças é o povo. Quem fez a Revolução Francesa foi o povo que gritava na praça, saía nas ruas.

É verdade que a Terra está esquentando?
Realmente está um pouco mais quente. Mas essas coisas são oscilações: um ano ou outro está mais quente, um ou outro está mais frio, mas isso são oscilações. Com o meu trabalho, eu ainda não vi nada, até agora, que pudesse atestar que a Terra está aquecendo. Mudança climática é de eras glaciais para interglaciais, e a última glaciação começou há 14 mil anos, e é provável que tenhamos outra daqui a 5 mil anos. Mas essas oscilações existem, são normais e não vejo nenhuma razão para o planeta aquecer ou ficar seco.

Alguns cientistas afirmam que os polos estão aquecendo, as geleiras derretendo…
É. Mas isso sempre houve. O que acontece é que, muitas vezes, essas estimativas são feitas por pessoas que não têm perspectiva do tempo geológico. Vi uns estudos sobre derretimento da calota polar e sobre o crescimento das geleiras, que vão derreter e depois retroceder. Diante disso, parece que está havendo mesmo um aquecimento, mas não sabemos até quando. A tendência no momento é de oscilação e não de mudança climática.

Como a senhora começou a se interessar pela palinologia?
Olhe, meu pai tinha uma visão muito ampla do mundo e me incentivava a estudar. Foi ele quem me apontou, de certa maneira, esse caminho. A questão é que, depois da experiência em Ouro Preto, eu resolvi fazer história natural em Belo Horizonte, na Universidade Federal de Minas Gerais. Naquele tempo, em história natural você estudava geologia e biologia. Eu estava sempre com um olho em geologia, mas minha ênfase maior foi para a biologia, na qual me especializei. Dentro da biologia, eu conheci a botânica e as plantas, e depois fui para o pólen. Mas essa minha história com o pólen vem do estudo das plantas. Eu percebi que o pólen se conservava e que podia ser usado para medir a idade do planeta por milhares e milhares de anos (grãos de pólen fossilizados são encontrados nas rochas desde aproximadamente 1,4 bilhão de anos atrás, na primeira idade da Terra, até ao presente).

Que conclusões a senhora destaca nos estudos sobre o cerrado?
Começamos por Lagoa Santa, em Minas Gerais, e conseguimos recuperar a paisagem de 4,5 mil anos atrás para cá e também mostramos que o homem viu a formação da lagoa. Era o que chamamos de o Homem da Lagoa Santa. Aquilo lá era um vale. Mas, quando começou um período de chuvas fortes, houve deslizamentos de barreiras e com isso o vale foi vedado e surgiu a lagoa. Outra etapa desses estudos com o pólen ocorreu em Águas Emendadas, nas lagoas Feia e Bonita (a 40km de Brasília). Concluímos que isto aqui (Goiás, DF e regiões vizinhas) sempre foi uma região de cerrado. Há cerca de 34 mil anos já era assim. Houve épocas de cerrado mais e menos denso, mas isso aqui não era área de floresta, como afirmavam certas teorias que caíram por terra. Uma dessas teorias dizia que o cerrado era uma mata secundária dessas florestas devastadas pelo homem, mas isso não ocorreu. Outra constatação do estudo com pólen indica a ocorrência de queimadas por causas naturais, aqui no cerrado, há mais de 10 mil anos. Mas não era o homem que fazia aquilo, era fogo natural. A cultura dos índios que viviam aqui no Período Paleolítico era muito simples. Eles não interferiam na natureza, não agrediam o meio ambiente. A interferência do homem no interior só começou há cerca de 500 anos. É muito pouco, do ponto de vista geológico. Concluímos ainda que, entre 10 mil e 7 mil anos, começou um período de seca, tanto que Águas Emendadas (que abriga as nascentes das bacias Amazônica e Platina) secou.

Em que outras investigações científicas a palinologia pode ser usada?
Ah, é um universo imenso. Serve para uma série de coisas, desde para confirmar a pureza do mel até para investigações policiais. Pode ser usada ainda para fazer estudos genéticos e evolucionários, identificar as plantas disponíveis em tal e tal período, e, na aerobiologia, serve para monitorar a dispersão do pólen na atmosfera. Veja, para os médicos alergistas, esses estudos são muito importantes, porque podemos identificar o tipo de pólen que causa alergia.

Qual dos seus trabalhos a senhora considera mais importante?
Gosto muito dos livros que escrevo, porque você para tudo e faz sozinho. Os artigos que escrevo para revistas especializadas são importantes, mas escrevo-os sempre em inglês ou em francês, ao contrário dos livros, que faço questão de escrever em português. Veja, A história ecológica da Terra está na sétima edição, escrevi ele numa linguagem simples, e por isso os estudantes gostam, procuram e entendem. Eu escrevo e publico os livros no Brasil porque eu acho que devo isso ao meu país. El médio ambiente paramo, eu escrevi em espanhol porque estava na Venezuela, mas os outros três são todos em português. Estou escrevendo meu quinto livro, que se chama A interferência humana na natureza, no qual vou mostrar que essa interferência pode ser tanto para melhor ou pior.

Quando a senhora pretende publicar o livro?
Não estou muito preocupada com isso. Já terminei o livro, mas estou fazendo uma revisão de dados, pois há coisas recentes, de 2010, 2008, que tenho de conhecer. Eu dividi os capítulos por continentes. O de número zero é a África. Isso porque, numa escala de tempo, há diferenças de continente para continente sobre a interferência do homem na natureza. Por exemplo, no Egito, há milhões de anos, o homem já estava construindo pirâmides. Aqui, nessa parte da América do Sul, no Brasil, tem menos de 10 mil anos. Então comecei o livro pela África, onde surgiu o Homo sapiens. Vê como somos importantes, nós somos muito sábios, viu? Por isso nos intitulamos de Homo sapiens (risos). Depois da África, o homem foi para a Ásia e a Europa e assim por diante. Então, eu vou seguindo os passos da interferência do homem.

Como a senhora se sente ao completar 80 anos?
Muito bem, porque trabalho diariamente, estudo, escrevo meus livros. Olhe, em geral, as pessoas costumam sofrer um certo impacto quando fazem 40, 50, 70 anos. Cada vez que a dezena muda, você leva um susto, vem esse choque. Mas isso já passou, já estou acostumada com os meus 80 anos.

Corrio Braziliense. Brasília-DF,  01 de novembro de 2011. Ciência, p. 22.

Amizade entre cães e homens começou há 30 mil anos e influenciou a evolução

Carolina Vicentin

Correio Braziliense. Brasília-DF,  26 de outubro de 20111. Ciência, p. 18. 
 
Muito antes de os novíssimos cães de bolso ganharem fama, o melhor amigo do homem já fazia parte do cotidiano da sociedade. Em um estudo divulgado este mês, cientistas de três países analisaram fósseis caninos encontrados onde hoje é a República Tcheca e concluíram que os cachorros convivem com os humanos desde o Período Paleolítico, há cerca de 30 mil anos. A pesquisa confirma resultados de dois artigos anteriores e derruba a tese de que esses animais só teriam sido domesticados depois da última Era Glacial, 14 mil anos atrás. Mais que isso: os pesquisadores acreditam que, além de antiga, a relação com o companheiro de quatro patas foi essencial para a evolução do Homo sapiens.

Os cães pré-históricos foram encontrados em um sítio arqueológico da cidade de Predmosti, no leste da República Tcheca. O achado, na verdade, não é recente: as escavações do que pareciam ser esqueletos de cachorros ocorreram no fim do século 19 e no início do século 20, mas somente agora os cientistas se preocuparam em datar e identificar as ossadas. “A ideia geral era que os homens caçadores/coletores só tinham começado a domesticar os lobos no fim da Era Glacial. No entanto, o achado do cão de Goyet (na Bélgica), que tem cerca de 32 mil anos, indicou que esse processo teve início muito antes. O cachorro de Predmosti corrobora isso”, explicou ao Correio a pesquisadora Mietje Germonpre, do Instituto Real Belga de Ciências Naturais.

Os cachorros de Goyet (um dos mais antigos encontrados até agora) e de Predmosti (com idade estimada em 27 mil anos) eram muito maiores do que os bichos de estimação de hoje em dia, mas já tinham características semelhantes às de raças de grande porte. Os cães da República Tcheca pesavam cerca de 35kg e tinham uma largura de 61cm de um ombro a outro. “A forma do crânio se parece com a de um husky siberiano, embora os cães daquela época fossem bem mais pesados do que um husky moderno”, diz a pesquisadora. Esses animais eram descendentes de lobos e sua domesticação foi confirmada depois de uma série de comparações com espécies selvagens que viviam na região.

Os cientistas analisaram três crânios dos cães de Predmosti. “Eles têm a cabeça significativamente mais curta do que a dos fósseis de lobos e o focinho também é menor. Além disso, a caixa craniana e o palato são maiores em relação aos dos parentes selvagens”, descreve Mietje. O que mais comoveu os pesquisadores, no entanto, não foi a confirmação de que as ossadas eram de cachorros pré-históricos e sim a provável relação entre os animais e os humanos daquela época. Um dos bichos foi enterrado com um grande osso na boca, o que indica a prática de rituais com os amigos de quatro patas.

“Os elementos religiosos (que encontramos) apontam uma profunda conexão entre homens e cachorros”, comenta Mikhail Sablin, pesquisador russo que também participou do estudo.

Laços reforçados
Para a professora Susan Crockford, da Universidade de Victoria, no Canadá, essa amizade começou por interesse, mas se fortaleceu devido ao misticismo dos povos pré-históricos. Segundo Susan — que investigou ossadas caninas de 33 mil anos encontradas na Sibéria — os primeiros lobos domesticados eram bem-vindos, pois acabavam com resíduos deixados pelos homens e alertavam contra potenciais perigos, como a presença de ursos. “As pessoas também devem ter pensado que os primeiros cães tinham poderes mágicos. Para os anciãos da aldeia, que observavam os lobos selvagens se transformarem em amáveis bichos, era óbvio que um ser como esse teria poderes especiais”, supõe Susan.

Com o passar do tempo, a importância religiosa do melhor amigo do homem ficou ainda maior. Embora as ossadas do Período Paleolítico não tenham relação comprovada com outras encontradas anos depois, a conexão com os cães se manteve ao longo dos séculos. Depois da última Era do Gelo, por exemplo, era comum que as pessoas fossem enterradas com seus bichos de estimação. “A ideia dessa prática era prover o espírito do humano falecido com um espírito canino, que serviria como um ‘guia’ para a passagem ao outro mundo”, interpreta a professora da Universidade de Victoria.

Todas essas análises e observações, porém, não explicam por que os humanos deixaram que os primeiros lobos se aproximassem. Afinal, as duas espécies eram concorrentes na busca por alimentos — uma tarefa que não devia ser nada fácil no ambiente pré-histórico. A cientista Pat Shipman, da Universidade de Penn State, na Pensilvânia, credita o começo dessa relação ao conhecimento que os homens acumularam ao observar os animais e à confiança que eles adquiriram com esse aprendizado. “Acho que alguém, provavelmente, trouxe um filhote de lobo para casa, e isso deve ter acontecido várias vezes”, especula Pat, uma das maiores especialistas em ecologia de ambientes antigos. “Ninguém pensou em criar os bichos, mas, com o passar do tempo, surgiu um sistema no qual ‘bons’ filhotes, ou menos agressivos, passaram a ser alimentados e protegidos, enquanto os outros foram mortos e, talvez, comidos”, detalha.

A cientista vai ainda mais longe. Para ela, esses animais acabaram contribuindo para que os humanos desenvolvessem a linguagem. Em um artigo publicado em maio na revista New Scientist, Pat aponta que uma das primeiras formas de comunicação, a pintura rupestre, se concentrava em registrar momentos dos homens com seus animais domesticados — aí entram outros que surgiram depois, como ovelhas e bichos de carga, por exemplo. “A antiga associação entre o Homo sapiens e os cachorros foi um bom negócio para ambas as espécies. Mesmo que os animais não vivessem dentro de casa, mantê-los em assentamentos foi uma grande vantagem”, diz a especialista.

Pequenos e chiques
Nos últimos anos, muitas celebridades passaram a circular por aí com seus cãezinhos a tiracolo. São malteses, chihuahuas e yorkshires, entre outras raças, que cabem em qualquer lugar e não costumam fazer alvoroço. Mesmo fofos e quietinhos, esses bichos precisam de uma série de cuidados. Como são muito pequenos, costumam ser mais vulneráveis a doenças.

Fonte de história
O sítio de Predmosti é um dos mais ricos do mundo. Escavado desde meados de 1880, forneceu aos cientistas dezenas de esqueletos humanos — parte deles foi destruída em um incêndio durante a Segunda Guerra Mundial. Em Predmosti, também foram encontradas mais de mil ossadas de mamute, além de fósseis de cães.