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quinta-feira, 7 de julho de 2011

Esperança no combate à malária

Correio Braziliense. Brasília-DF, 07 de julho de 2011
Saúde
Pesquisadores testam droga no Senegal e conseguem reduzir em 75% a população de mosquitos infectados pelo Plasmodium. Próximo passo será examinar o efeito do remédio na diminuição de contaminações
Max Milliano Melo

Todos os anos a malária ou paludismo — doença infecciosa causada pelo parasita Plasmodium e transmitida pelo mosquito-prego, do gênero Anopheles — causa pelo menos 1 milhão de mortes, por ano, com 300 milhões de novos casos, em todo o mundo. Considerado uma doença da pobreza — que contamina 50% da população de 109 países — o mal permanece praticamente sem merecer atenção de nações ricas e soluções globais efetivas que barrem a epidemia. Com picos de infecção em massa sobretudo nas estações chuvosas, quando o mosquito se prolifera com mais velocidade, a doença atinge com maior agressividade crianças menores de 5 anos e mulheres grávidas — principalmente em países africanos, asiáticos e latino-americanos.

Uma boa notícia, porém, deve ser divulgada, em meio a panorama tão dramático, e soa como um sinal de alerta sobre a real possibilidade de se conseguir, finalmente, reduzir os índices de morbidade e de mortalidade da malária. Uma pesquisa da Universidade de Colorado, nos Estados Unidos, e do Departamento de Saúde Pública do Senegal, na África, publicada na edição de hoje do Jornal Americano de Medicina Tropical e Higiene, mostrou que o uso de uma substância conhecida como ivermectina consegue diminuir a população de mosquitos infectados em 75% (veja arte). A novidade pode ser uma importante arma na prevenção da segunda doença mais frequente em todo o mundo, perde apenas para a Aids.

Análise de insetos
A ivermectina é uma substância bastante barata, comumente usada no tratamento de ácaros e carrapatos em seres humanos e animais. Durante o estudo, todos os habitantes de três vilas do Senegal ingeriram comprimidos com a substância, que também é utilizado para tratar verminoses. Durante a administração do produto foram recolhidos exemplares do mosquito Anopheles na região. Após três dias, os especialistas voltaram à região e coletaram novos exemplares do mosquito. Após análises em laboratórios os pesquisadores compararam a quantidade de insetos contaminados pelo patógeno — e que, portanto, transmitiriam a doença para pessoas saudáveis — com a de mosquitos que não carregavam o Plasmodioum.

 Como se tratava do período de início das chuvas, era esperado que a população de mosquitos infectados tivesse crescido 246%. No entanto, para surpresa de todos, a quantidade desses insetos caiu 75%. “O efeito não é, necessariamente, que há menos mosquitos picando as pessoas, porque novas linhagens dos mosquitos estão surgindo todos os dias”, explicou ao Correio o pesquisador americano Brian Foy. “O que acontece é que há uma mudança na estrutura etária dos mosquitos, em que os mais jovens passam a predominar”, relata o americano.

A explicação para o fenômeno é simples. “Ao ingerir sangue com ivermectina o mosquito tem um ciclo de vida menor e não consegue transmitir a doença”, conta Foy. Os pesquisadores também acreditam na possibilidade de que uma dose subletal, ou seja, que não mate o mosquito, já seria eficiente. “Essa dose romperia a fisiologia do mosquito prevenindo ou retardando o tempo que leva para o parasita se desenvolver no mosquito”, conta o pesquisador.

Cautela e prevenção
O entomologista e pesquisador do Instituto Oswaldo Cruz, do Rio de Janeiro, Ricardo Lourenço, adverte que, embora os resultados da pesquisa sejam animadores, é preciso ter cautela em relação a uma possível aplicação do mesmo método de prevenção no Brasil, onde a malária faz 300 mil vítimas por ano, especialmente na Região Amazônica. “A pesquisa mostrou resultados em uma espécie de Anopheles extremamente antropofílico, ou seja, que vive dentro das casas das pessoas e que se alimenta quase que exclusivamente de sangue humano”, explica o cientista. “No caso do Anopheles brasileiro, ele é de uma espécie que, embora entre nas casas e se alimente de sangue humano, ele não é tão antropofílico”, acrescenta.

Para ele, no entanto, o estudo pode trazer uma nova perspectiva para o controle da malária. “O caminho para conseguir eliminar o problema é aliar o tratamento da doença, que diminui a chance de contágio, com a eliminação do vetor, no caso, o mosquito do gênero Anopheles”, acredita o entomologista. “Essa nova abordagem poderia formar uma sinergia com as outras formas de controle da doença, atuando de maneira coordenada e potencializando os resultados”, completa o pesquisador.

O próximo passo dos pesquisadores é replicar os estudos em escalas maiores. “Todos os dados de que dispomos sugerem que todas as espécies do gênero Anopheles são igualmente sensíveis à ivermectina, não importa sua espécie e de que parte do mundo se originam”, explica Brian Foy, que inclui a espécie brasileira Anopheles darlingi. “No entanto, como é necessário que os pacientes tomem o medicamento com ivermectina pelo menos uma vez por mês, sabemos que essa é uma estratégia mais eficaz durante os períodos de chuva quando as populações do inseto aumentam”, conta.

Nessa nova etapa da pesquisa será possível mensurar o efeito da diminuição dos mosquitos contaminados e no surgimento de novos casos da doença. “Uma das dificuldades de se avaliar o impacto da substância sobre os novos casos de malária é que, na maioria das vezes, os casos recentes se confundem com casos antigos e recaídas”, observa Brian. “Vamos propor um ensaio clínico em que a ivermectina é administrada repetidamente ao longo da temporada de chuvas para podermos avaliar se a incidência da doença será reduzida na mesma proporção”, completa.

Três perguntas para

Brian Foy  Pesquisador da Universidade do Colorado


 A ivermectina poderia ajudar na diminuição de casos de malária em todos os contextos?
Sim, mas só se ela estiver em medicamentos de administração em massa. E apenas se essas administrações de drogas acontecerem repetidamente, talvez a cada mês, ou mais frequentemente, e durante toda a estação chuvosa que é a de maior transmissão da malária.
A malária é uma das chamadas doenças negligenciadas. O senhor acredita que com mais esforços e mais recursos poderiam encontrar a cura ou um tratamento mais efetivo?
Eu não acredito que há uma cura para a malária. Muitas ferramentas de controle devem ser implementadas de forma integrada, e por um longo período de tempo. Isso precisaria de muito mais dinheiro e esforço das autoridades de saúde em todo o mundo.
O senhor crê que os mesmos resultados encontrados no controle do vetor da malária serão alcançados no controle da doença em si?
Sim, mas primeiro precisamos provar que as administrações repetidas de ivermectina invertem a tendência de crescimento do vetor da malária. Só depois disso poderemos verificar se o resultado é o mesmo no surgimento de novos casos.

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