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quinta-feira, 20 de outubro de 2011

As cidades crescem, as tragédias também

Saneamento

Juliana Braga
Paula Filizola

Correio Braziliense. Brasília-DF, 20 de outubro de 2011. Brasil.

Levantamento do IBGE mostra o efeito da ocupação desordenada do solo nas áreas urbanas. Mais de 40% dos municípios brasileiros sofrem com inundações

Inundação em condomínio de Vicente Pires destrói ruas: segundo especialistas, falta planejamento na ocupação do solo (Rafael Ohana/CB/D.A Press)
Inundação em condomínio de Vicente Pires destrói ruas: segundo especialistas, falta planejamento na ocupação do solo

“Lá vem a chuva de novo”, constatou aflito o síndico da Chácara 43, na Rua 3 de Vicente Pires, Jarbas Paes Leme, ao ver, ontem, o céu de Brasília escurecer. Há mais de três anos à frente da administração do terreno, que abriga 120 famílias, ele já conhece a rotina devastadora das águas na região. Basta percorrer as ruas para reparar que quase todas têm o solo destruído. “A água da chuva forma um rio que desce com muita força e leva tudo por onde passa”, afirma. Devido aos temporais dos últimos dias, Jarbas contabilizou um prejuízo de R$ 150 mil para recolocar todos os bloquetes soltos do piso, além de reconstruir muros e meios-fios. Segundo ele, os moradores se recusam a pagar taxa extra na fatura do condomínio porque sabem que não adianta consertar o local sem um projeto de melhoria que tenha a participação do governo.

Dados divulgados ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelam que o problema das inundações não é exclusivo de Vicente Pires. Pelo contrário, é cada vez mais comum e grave no país. De acordo com o Atlas do saneamento, dos 5.564 mil municípios brasileiros, 40,8% enfrentavam o problema nos cinco anos anteriores ao levantamento, feito com dados de 2008. Pior, em 30% deles foram alagadas áreas nas quais isso não costumava acontecer.

O relatório do IBGE também aponta que, em 45% das cidades, os alagamentos foram associados à obstrução de bueiros e de bocas de lobo, enquanto em 43%, o problema é a ocupação intensa e desordenada do solo (veja quadro). Vicente Pires está na segunda categoria. “É preciso que as cidades planejem quais serão os espaços de pavimentação e quais locais devem permanecer gramados”, sustenta o especialista em engenharia sanitária e professor da Universidade de Brasília (UnB) Sérgio Koide. Segundo ele, em determinadas regiões, mesmo que sejam feitas obras para melhorar as condições de saneamento, as iniciativas seriam apenas “tapa-buraco”. “Não tem como fazer escoamento em beira de rio, por exemplo. Há áreas em que não deveria morar gente”, diz.

Koide avalia que, por mais que tenham ocorrido mudanças climáticas nos últimos tempos, a principal causa do problema é a intervenção humana. “As mudanças climáticas são sentidas mais a longo prazo. Com certeza, a área impermeabilizada do solo cresce muito mais rápido do que o volume das chuvas”, diz. A situação ainda é agravada, segundo o especialista, porque o poder público não prioriza essas obras, que costumam ser caras.

No caso do condomínio de Jarbas, há um jogo de empurra porque, apesar do pagamento do IPTU, e da água e da luz, a Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil (Novacap)alega o fato de a ocupação ser irregular para não enviar equipes que possam reparar os estragos da chuva. “Eles dizem que não podem fazer nada porque o Ministério Público cobra explicações. Mas pagamos todos os impostos. Isso não faz sentido”, protesta Jarbas.

Loteamentos

A solução, de acordo com Koide, seria um planejamento eficiente da ocupação urbana. “Não se pode permitir que determinadas áreas recebam loteamento. É preciso estabelecer qual é a taxa máxima de ocupação dos lotes”, explica.

O IBGE apontou outro problema, que atinge 47,8% das cidades e que é negligenciado pelas prefeituras: a falta de rede de coleta de esgoto. Segundo a engenheira civil da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Eglê Novaes, essas não são obras complicadas de serem executadas, mas são dispendiosas. “Além de caras, elas ficam enterradas. Ou seja, não dá para colocar uma plaquinha para inaugurá-las. Muitos prefeitos se desinteressam”, explica.

Eglê explica que os altos custos envolvem todos os processos das obras. Em áreas já ocupadas, por exemplo, é necessário abrir as ruas, fazer as ligações do encanamento com os domicílios e, em alguns casos, fazer até estações elevatórias. Por lei, a tubulação precisa ficar entre 1,2m e 6m abaixo do solo, o que varia de acordo com a topografia. Ainda assim, segundo a especialista, as dificuldades são mais legais do que técnicas. “É necessário conseguir licenças e isso pode demorar”, explica

Problemas básicos


Em 40,8% das cidades houve inundações, sendo que em 30,6% delas o problema não ocorria antes.

Cerca de 45% dos municípios atribuíram as inundações à obstrução de bueiros e de bocas de lobo; e 43%, à ocupação desordenada do solo. Outras causas apontadas foram obras inadequadas, dimensionamento incorreto do projeto e lançamento de lixo.

Em todo o país, 33 municípios não têm rede de distribuição de água — 21 deles estão na Região Nordeste.

Só 55,1% das cidades têm rede de coleta de esgoto. No Centro-Oeste, apenas 28,3% dos municípios oferecem o serviço.

Apenas 33% das cidades descartam o lixo em aterros sanitários, considerados a melhor opção para evitar a infiltração do chorume. A maioria, 50,8%, ainda usa os lixões.

A precária política para o lixo


Além de contaminar os lençóis freáticos, os lixões são proliferadores de doenças (Breno Fortes/CB/D.A Press - 23/2/11)
Além de contaminar os lençóis freáticos, os lixões são proliferadores de doenças

Outra situação grave apontada pelo estudo do IBGE é a destinação do lixo, que, associada às inundações, causa um grave problema de saúde pública. Somente 33% das cidades descartam seus resíduos sólidos em aterros sanitários, considerados a forma adequada por garantir a impermeabilização do solo — o que evita contaminação dos lençóis freáticos — e por evitar a disseminação de doenças. A maioria dos municípios, 50,8%, ainda descarta os resíduos em lixões a céu aberto. Considerando o volume de lixo produzido no país, 183t por dia, pode-se ter uma ideia da dimensão do problema. Em 2000, o volume era de 58t diariamente.

Gerente da pesquisa do IBGE, Adma de Figueiredo acredita que falta articulação entre os municípios, que poderiam fazer convênios e dividir as responsabilidades. Segundo ela, não são todas as cidades que precisam ter um aterro. Por meio de parcerias, o problema poderia ser dividido. “Não é só uma questão técnica. É também um problema de articulação e de gestão política”, pondera. Em 2008, 116 municípios não adotavam estratégias de destinação aos resíduos sólidos, sendo que mais de 60% estavam na Região Sul. Nenhum deles no Centro-Oeste.

O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, em entrevista à GloboNews destacou a importância de investimentos na área. Segundo ele, cada R$ 1 investido em saneamento gera economia de R$ 4 em saúde. Uma das principais doenças associadas à água contaminada e às inundações, a leptospirose, foi registrada em 12% das cidades brasileiras, sendo que em 3% houve óbitos.

Coleta seletiva

A reciclagem e a coleta seletiva também são formas de amenizar o problema e têm avançado no país. A porcentagem de municípios que executam a coleta seletiva, por exemplo, aumentou de 8,2%, em 2000, para 17,9%, em 2008. “O serviço chega a ser feito em quase todos os municípios, mas, em alguns, não é diário e, em outros, não atende áreas mais isoladas. Ainda há muito o que avançar”, detalha Adma de Figueiredo. (JB)


RACIONAMENTO

O relatório do IBGE revela ainda um paradoxo. Apesar de ser um dos países com maior reserva de recursos hídricos, o Brasil enfrenta racionamento de água em 23% dos municípios. Em 41% deles, o problema é constante, independentemente da época do ano. A situação se torna ainda mais grave se for levado em consideração que, em 60% das cidades com mais de 100 mil habitantes, o volume de água tratada que se perde entre a captação e o consumidor varia de 20% a 50%. Nas cidades com população inferior a essa, a perda é de cerca de 20%.

Oferta de água tratada
 
Em 2008, ano considerado pelo IBGE no Atlas do saneamento, em todas as regiões brasileiras, a água oferecida pelos governos recebia algum tipo de tratamento. Com exceção da Região Norte — com índice de 74,3% —, mais de 90% do líquido fornecido era tratado. O estudo revela também que 78% dos municípios brasileiros investem em melhorias na rede de distribuição de água. O destaque é para os do Sul, com o maior percentual de cidades (86,4%) que adotam esse tipo de prática.

Outra parte do processo de abastecimento que vem recebendo grande investimento dos governantes (67,8% das cidades) é o das ligações prediais. Em menor escala, também são registradas iniciativas de melhoria na captação (49,5% dos municípios brasileiro); no tratamento da água (43,7%); na reservação (36,1%) e na adução (19,9%). Ainda de acordo como o levantamento, em 64,1% das cidades brasileiras a água fornecida à população é obtida pela captação em poços profundos. Em 56,7%, pela captação superficial

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