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domingo, 16 de outubro de 2011

Coleção de insetos do IOC completa 110 anos e tem 5 milhões de espécies

 
Besouros da ordem Coleoptera da coleção entomológica da Oswaldo Cruz (Rodrigo Méxas/IOC Fiocruz/Divulgação)
Besouros da ordem Coleoptera da coleção entomológica da Oswaldo Cruz

O homem cresceu e dominou o planeta, mas nem de longe consegue a proeza dessas pequenas criaturas. Espalhados em todos os lugares da Terra, os insetos são hoje o grupo animal mais numeroso existente na superfície — tanto que os cientistas não chegam a um acordo sobre a quantidade de espécies existentes. Para ter uma ideia, mais da metade de tudo que é vivo (incluindo plantas e fungos) é composta por esses minúsculos bichinhos, muitos dos quais nem sequer foram identificados. Toda essa diversidade faz com que seu estudo seja um dos mais complexos em biologia. No Brasil, um dos principais centros de pesquisa nessa área é o Instituto Oswaldo Cruz (IOC). Lá, 5 milhões de exemplares compõem um dos mais amplos catálogos sobre os insetos da América Latina.

A coleção começou a ser formada há 110 anos, quando o próprio Oswaldo Cruz identificou o mosquito Anopheles lutzi, transmissor da malária. Cruz e outros importantes cientistas, como Adolpho Lutz, foram catalogando espécies encontradas em todo o território brasileiro, incluindo o Triatoma infestans, conhecido como barbeiro e transmissor da doença de Chagas; e o Aedes aegypti, mosquito que carrega o vírus da dengue e da febre amarela. Mas a galeria vai muito além dos vetores de doenças tropicais. As peças incluem besouros, borboletas, grilos, gafanhotos, moscas e por aí vai. “Esse material é um testemunho da história da ciência no Brasil, porque documenta o resultado dos primeiros estudos biológicos realizados no país”, afirma Jane Costa, curadora da Coleção Entomológica do IOC.

A arte de observar e catalogar insetos, conhecida como entomologia, existe desde os tempos do filósofo Aristóteles, que viveu por volta do ano 300 a.C. De lá para cá, a tecnologia facilitou a vida desses amantes da natureza, mas a análise dos insetos ainda é “manual”. Embora os cientistas tenham à disposição microscópios poderosos para visualizar o corpo desses animais, a comparação com outras espécies já identificadas precisa ser feita uma a uma, com cautela e paciência. “Nós estamos lidando com o grupo mais diverso do planeta, que tem uma série de adaptações morfológicas para os mais variados ambientes”, observa a pesquisadora Jane.

Baratas, por exemplo, são um dos bichos mais primitivos que existem. Elas têm seu formato há, pelo menos, 300 milhões de anos, e uma estrutura copiada e melhorada por outras categorias de insetos surgidas mais tarde. “O aparelho bucal de uma barata tem várias partes — língua, lábio, mandíbula — que também existem em borboletas, grilos e pulgas, só que em um configuração completamente diferente”, conta a curadora do IOC. Assim, mosquitos transformaram essas peças bucais em estiletes, capazes de furar uma superfície para sugar sangue. O mesmo aconteceu com moscas, que desenvolveram maneiras de captar o suco das frutas. “Ao longo de milhares de anos, todas essas espécies ganharam características que permitem a sua existência em diversos ambientes”, destaca Jane.

E a adaptação inteligente desses animais está longe de terminar. Muitos insetos que hoje vivem em regiões da Mata Atlântica, da Amazônia e do cerrado já são biologicamente preparados para mudanças climáticas. O barbeiro, por exemplo, pode suportar temperaturas até três graus mais altas do que hoje em dia. “Já está comprovado que, nessas condições, o mosquito vai gerar um número ainda maior de ovos e ter seu ciclo de vida encurtado”, explica a pesquisadora do IOC.

Caracterização
Toda essa elasticidade evolutiva fez com que as espécies de insetos se multiplicassem ao longo dos milhões de anos. A maioria delas, contudo, ainda é desconhecida. “É uma área de pesquisa difícil de ser esgotada. Estou agora em um projeto de identificação de animais do cerrado e do Pantanal e me impressiono com a quantidade de coisas que não conhecemos ainda”, conta o biólogo Carlos Lamas, do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (USP). Para catalogar um novo inseto, os cientistas realizam um longo trabalho de comparação, que começa com a observação minuciosa do corpo do inseto.

Nesse processo, feito com o auxílio de lentes de microscópio, eles estudam o tamanho, o formato, a coloração, a presença de cerdas ou pelos e todos os detalhes da anatomia interna e externa dos bichos. Se o pesquisador concluir que se trata de uma espécie diferente, precisa descrever todos os detalhes morfológicos e de coleta do animal. Também escolhe um gene para ser sequenciado e comparado com o DNA de outras espécies próximas. “Quanto mais informações a pessoa tiver sobre o animal e sobre o local onde ele foi encontrado, melhor é para o registro”, diz Jane Costa.

Não há um prazo determinado para a conclusão da tarefa, que pode durar anos. Se o inseto é de um gênero conhecido, que tem exemplares em uma colação entomológica de fácil acesso ao pesquisador, a descrição pode ser concluída dentro de alguns dias. “Em outros casos, o animal é de um gênero que tem 50 espécies, então, eu preciso comparar com todas”, esclarece Carlos Lamas. A dificuldade é ainda maior se essas espécies tiverem sido encontradas em outros países. Nesse caso, o cientista precisa pedir o envio do exemplar ou, até mesmo, viajar até a instituição onde está registrado o inseto. Com tudo pronto, a etapa final é a publicação de um artigo científico e o arquivamento do texto em, pelo menos, oito bibliotecas públicas espalhadas pelo mundo.

O holótipo (espécime-tipo, como se fosse o exemplar número um) deve permanecer em uma instituição que tenha condições de mantê-lo em bom estado. A conservação de insetos é relativamente fácil: normalmente, eles são alfinetados em gavetas com umidade e temperatura controladas (por volta de 20°C). O exoesqueleto de quitina dos bichos não se deteriora — na Europa, existem coleções com mais de 600 anos. “Há insetos maiores que precisam de um tratamento específico, com injeção de formol e retirada de órgãos internos”, detalha Jane, do IOC. “O processo de caracterização é um dos mais importantes para a ciência, ainda mais no Brasil. Por aqui, temos 10% da biodiversidade do planeta”, lembra.

Pioneirismo
O cientista Oswaldo Gonçalves Cruz foi um dos primeiros brasileiros a estudar as doenças tropicais no Brasil. Durante sua formação, estagiou no Instituto Pasteur, na França. Quando retornou, ajudou a controlar o surto de peste bubônica que atingiu a cidade de Santos e organizou campanhas sanitárias contra doenças como a malária e a febre amarela. É fundador do Instituto Soroterápico Nacional, hoje rebatizado de Instituto Oswaldo Cruz.

Ameaça da ditadura
Em 1970, parte da coleção entomológica do Instituto Oswaldo Cruz se perdeu devido à truculência da ditadura militar. Naquele ano, 10 pesquisadores do instituto foram cassados, entre eles, os biólogos Herman Lent, Hugo de Souza Lopes e Sebastião José de Oliveira. Além da expulsão dos especialistas, os militares recolheram material científico e colocaram no porão do antigo prédio do Hospital Evandro Chagas, no câmpus de Manguinhos, no Rio de Janeiro. Para tentar salvar o acervo, parte da coleção de dípteros foi enviada ao Museu de Zoologia da USP. Sete anos depois desse evento — que ficou conhecido como Massacre de Manguinhos —, as amostras retornaram ao Castelo Mourisco da Fiocruz. Lá, a largura das paredes e a altura do pé direito ajudam a consersar a temperatura e a umidade

Carolina Vicentin
Corrio Braziliense. Brasília-DF, 02 de outubro de 2010. Ciência. 

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