Revista Pesquisa FAPESP
Edição 218 - Abril de 2014
Disponível em: <http://revistapesquisa.fapesp.br/2014/04/24/copa-mundo-e-dengue/>.
Acesso em: 24 abr. 2014
No universo de 600 mil turistas
estrangeiros aguardados para acompanhar a Copa do Mundo, um contingente
esperado de aproximadamente 100 pessoas poderá contrair dengue em sua estadia
brasileira. Mas o risco varia bastante de uma cidade-sede para outra. Em São
Paulo e em outras cidades-sede do Sul e do Sudeste o perigo é muito pequeno,
porque os casos da doença caem drasticamente nos meses de inverno, quando
diminuem o calor e a chuva, próprios para a propagação do Aedes aegypti. Já quem for assistir jogos em Salvador,
Fortaleza, Natal, Manaus e Recife enfrentará um risco estatisticamente maior. A
cidade que poderá registrar o maior número de casos é o Rio de Janeiro. Embora
a maioria dos casos se concentre de fevereiro a maio, a capital fluminense
deverá atrair um número maior de turistas e por um período superior em relação
às demais. Essa avaliação faz parte de um artigo submetido à revista Lancet Infectious Diseases por um grupo liderado por Eduardo Massad,
professor da Faculdade de Medicina da USP e especialista em modelos matemáticos
capazes de avaliar a disseminação de doenças. Entre os autores do artigo há
pesquisadores da USP, da Unifesp, da Fiocruz, da Escola de Medicina Lee Kong
Chian, de Cingapura, e autoridades do Ministério da Saúde brasileiro.
O estudo foi
motivado por avaliações genéricas, e consideradas exageradas, sobre o risco
para turistas divulgadas recentemente, como a publicada em dezembro pela
revista Nature por Simon Hay, da Universidade Oxford. Nesse
artigo, o autor calcula a proporção de casos que ocorreram nos meses de junho e
julho no período de 2001 a 2013 em relação ao total anual de cada cidade da
copa neste intervalo de tempo. Essa proporção, denominada no artigo de “percentage of annual case
burden experienced”, tem sido aparentemente identificada como a probabilidade de
aquisição de dengue para visitantes destas cidades. Essa identificação, observa
Eduardo Massad, é incorreta.
Segundo os
autores brasileiros, aparentemente o artigo de Hay está sendo usado por
consulados, agências de turismo e outros organismos estrangeiros para alertar
visitantes de que “a febre do futebol poderia ser uma dose de dengue”, como diz
o título do artigo da Nature. No mesmo
artigo está escrito que “fãs da Copa do Mundo no Brasil podem estar expostos a
uma doença tropical horrível e incurável”. “Considerando que o cálculo de risco
está incompleto, e que dengue não é ‘incurável’, a publicação deste artigo foi
uma irresponsabilidade do autor, dando a impressão de ser uma peça de propaganda
contra a realização dos jogos”, diz Massad.
Levando em
conta a gravidade das afirmações, os autores do artigo brasileiro usaram um
algoritmo detalhado, criado para estimar o risco hipotético de qualquer turista
que visite o Brasil durante o período da Copa, dependendo do roteiro escolhido.
Assim, por exemplo, um turista que decida passar o período da copa viajando na
sequência: São Paulo (3 dias); Fortaleza (6 dias); Brasília (5 dias); Belo
Horizonte (5 dias); Fortaleza (mais 6 dias); e Rio (8 dias), terá um risco
individual estimado da ordem de 0,05%, muito menor que o suposto “burden” de 0,2%
até 13,5% apresentado no artigo de Hay.
Os
pesquisadores brasileiros, por sua vez, advertem que o risco pode estar
superestimado, uma vez que turistas estrangeiros costumam ser menos expostos às
picadas dos mosquitos que os moradores do Brasil. Uma das conclusões de Massad
e seus colegas é que o fluxo intensivo de turistas durante a Copa poderá, de
fato, levar a dengue para outros países, como ocorre com qualquer lugar onde
exista doença infecciosa endêmica. “Afinal de contas, quem visita certas
localidades do Canadá no verão pode contrair e exportar a febre do oeste do
Nilo, por exemplo”, diz Massad. Para minimizar esse risco de exportação da
doença, dizem os autores, o turista que eventualmente venha a contrair dengue
não deve voltar para casa enquanto doente, mas se tratar no Brasil, cujo
sistema de saúde tem experiência no assunto, e retornar quando estiver bem.
“Vale lembrar ainda que a incidência de dengue varia de ano para ano e, a
julgar pelos dados registrados até o momento, a incidência em 2014 está próxima
da dos anos de menor ocorrência de dengue nos últimos 10 anos”, afirma Massad.
“Por fim, é surpreendente que a revista Nature publique um artigo cujo único conteúdo consiste
em dizer que se você sai na chuva pode se molhar…”
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