Prazo para acabar com área insalubre vai até agosto, segundo Política de Resíduos Sólidos; catadores temem não ter para onde ir
26 de maio de
2014
Rafael Moraes Moura - O Estado de S. Paulo
BRASÍLIA
- Patrimônio cultural da humanidade, Brasília tem a maior renda per capita do
País, mas não sabe cuidar do próprio lixo. Até o fim deste mês, o governador
Agnelo Queiroz (PT) pretende fechar o lixão da Estrutural, uma vasta área a 16
km do Palácio do Planalto, inundada diariamente pelos resíduos sólidos
despejados pelos 2,8 milhões de habitantes do Distrito Federal.
Em
uma corrida contra o tempo para cumprir o prazo fixado pela Política Nacional
de Resíduos Sólidos, que determina o fim dos lixões para agosto, Brasília
esbarra em uma série de dificuldades: a coleta seletiva é incipiente, a
licitação do novo aterro sanitário foi contestada pelo Tribunal de Contas do
Distrito Federal (TCDF) e sobram incertezas sobre o futuro dos catadores com o
lixão desativado.
Do
jeito que as coisas estão hoje, não tem como parar isso aqui", diz o
catador de lixo José Patrício, de 42 anos, que recolhe garrafas PET e papel que
lhe garantem uma renda de R$ 500 por mês. Perdeu a mulher em dezembro de 2012 -
ela foi atingida por uma carreta, enquanto trabalhava no local.
Todos os dias, o lixão da
Estrutural recebe, em média, 2,7 mil toneladas de resíduos orgânicos e 6 mil
toneladas de resíduos da construção civil. Oficialmente, 1.200 catadores estão
cadastrados, mas o Estado apurou que o número total
de pessoas que tiram o sustento dali deve superar 2 mil. "O governo não
está nem aí para nós, vamos ficar todos desempregados", reclama o catador
Francisco Bernardino, de 42 anos, que trabalha há duas décadas recolhendo
sucata, acompanhado dos quatro irmãos, do pai e da mãe. Quando falou com a
reportagem, usava jaqueta, camisa, luvas, bota e óculos Ray-Ban, tudo achado no
próprio lixão.
"As
pessoas acham a nossa realidade degradante, mas se esquecem de que também são
responsáveis. Quantas fazem a coleta seletiva? E o que dizer daqueles que
atiram lixo nas ruas?", questiona Bernardino.
Prazo. Até 2 de agosto, o governo do DF pretende cumprir a Política
Nacional de Resíduos Sólidos. O investimento previsto para os próximos cinco
anos, com o início da operação de um aterro sanitário, deve chegar a R$ 150
milhões. A reportagem visitou a obra na sexta-feira, quando o terreno ainda
estava passando pela terraplanagem. "É um processo lento (de adaptação à lei),
não se fecha um lixão de um dia para o outro, mas o processo já foi iniciado,
com a adoção da coleta seletiva", diz o diretor adjunto do Serviço de
Limpeza Urbana do Distrito Federal (SLU), Hamilton Ribeiro.
De
acordo com o diretor-geral, o aterro sanitário será "tecnicamente muito
superior" ao lixão: os resíduos serão prensados e isolados com mantas para
evitar o odor, o solo será impermeabilizado para evitar contaminação, o chorume
será tratado e não haverá incineração. O espaço, que ocupará uma área de 30
hectares, poderá receber até 68 mil toneladas de lixo por mês. As autoridades
brasilienses pretendem transferir os catadores para 12 centros de triagem, mas
nenhum deles está pronto - foram instaladas tendas provisórias no lixão.
Para o professor Gustavo Souto
Maior, do Núcleo de Estudos Ambientais da Universidade de Brasília (UnB), o
lixão da Estrutural é a "maior vergonha ambiental, sanitária e
social" do Distrito Federal. "É muito fácil colocar no papel (que os
lixões deverão acabar em agosto de 2014). Falta interesse político, porque isso
não dá voto pra ninguém, e os municípios não tem expertise nem dinheiro",
comenta. "O governo do DF não vai conseguir inaugurar o aterro sanitário
nos próximos meses, as obras estão atrasadíssimas. Se Brasília, capital da
República, onde se tem dinheiro a rodo, não consegue cumprir a lei, imagina os
milhares de municípios brasileiros que vivem de colocar lixo em qualquer
lugar."
Exemplos
como o de Brasília não são raros no País. De acordo com levantamento do ano
passado da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos
Especiais (Abrelpe), 40% do resíduo coletado no País era destinado
irregularmente. Ou seja, ia para lixões. Outras capitais, como Goiânia (GO) e
São Luís (MA), enfrentam o mesmo problema.
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